Em um país onde milhões de brasileiros vivem em imóveis irregulares, discutir o usucapião é mais do que um tema jurídico — é uma pauta de justiça social. A regularização fundiária por meio do usucapião, especialmente no âmbito judicial, representa a porta de entrada para que famílias inteiras conquistem, enfim, o reconhecimento formal daquilo que já é delas de fato: o direito à moradia.
O Poder Judiciário precisa compreender, com sensibilidade e prioridade, o impacto humano das ações de usucapião. A morosidade no julgamento desses processos compromete não apenas o direito de propriedade, mas, sobretudo, o exercício pleno da cidadania e da dignidade da pessoa humana. Quando uma pessoa vive há anos em determinado imóvel, cumprindo os requisitos legais, é injusto e desumano que aguarde por tempo indeterminado para ter reconhecido o que é, por direito, seu.
É claro que temos plena ciência das dificuldades enfrentadas pelo próprio Judiciário. A falta de servidores, a baixa remuneração dos quadros efetivos e a ausência de juízes titulares em muitas comarcas, como é o caso do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, refletem uma estrutura que opera no limite. Em cidades como Leopoldina, com cerca de 55 mil habitantes, há processos de usucapião que levam cinco, seis anos para serem concluídos. Durante todo esse tempo, o cidadão permanece com sua propriedade irregular, sem acesso pleno aos direitos decorrentes da titularidade do bem.
Apesar dessas limitações estruturais, é possível — e necessário — buscar soluções. Uma alternativa viável seria a realização de mutirões judiciais exclusivos para ações de usucapião. A comarca poderia, por um período determinado, concentrar esforços apenas nesse tipo de processo, mantendo em andamento apenas os casos de urgência, como aqueles envolvendo saúde, pensão alimentícia ou risco de prisão. Essa medida, ainda que excepcional, traria resultados concretos e impacto social imediato.
Outra possibilidade seria a cessão temporária de servidores públicos municipais para atuarem em apoio ao Poder Judiciário, especialmente nas varas cíveis. Essa colaboração institucional entre o município e o Judiciário poderia, com planejamento e responsabilidade, reforçar o efetivo e dar maior agilidade à tramitação dos processos. Trata-se de uma saída inteligente, de baixo custo e com forte retorno social.
Importante destacar que a questão da usucapião ultrapassa o direito individual. Não se trata apenas do interesse daquela pessoa ou daquela família que busca o reconhecimento da propriedade. Trata-se de uma questão social. A irregularidade de um imóvel hoje pode se transformar em um problema ainda maior amanhã, quando esse bem for transferido informalmente, vendido sem registro ou envolvido em litígios complexos por falta de título. Isso vira uma bola de neve que o Estado não consegue mais controlar — e a coletividade é quem sofre as consequências.
Além disso, a ausência de regularização impacta diretamente o próprio Poder Judiciário. Imóveis irregulares acabam sendo objeto de constrição judicial em nome de pessoas que, na prática, não são as legítimas proprietárias. Isso gera embargos de terceiro, incidentes processuais, discussões paralelas e uma verdadeira multiplicação de ações judiciais, que poderiam ser evitadas com a regularização do bem desde o início. Ou seja, acelerar os processos de usucapião é também desonerar o sistema judiciário, evitando litígios futuros e promovendo maior segurança jurídica.
É de interesse público que todas as propriedades estejam regularizadas. Regularizar é organizar o território, promover justiça social, gerar arrecadação, atrair investimentos e garantir segurança patrimonial. A grande maioria das pessoas que ingressa com uma ação de usucapião judicial é de baixa renda e não tem condições de arcar com os altos custos de uma escritura pública em cartório. Por isso, o processo judicial com gratuidade de justiça se torna a única via possível.
Mais do que reconhecer a propriedade, a sentença de usucapião representa o reconhecimento da dignidade daquela família. Ela permite acesso a financiamentos, inclusão em políticas públicas, segurança patrimonial e estabilidade para as futuras gerações.
Cabe ao Judiciário, portanto, não apenas aplicar a lei, mas também cumprir sua missão social. Priorizar as ações de usucapião é garantir efetividade aos direitos constitucionais à moradia, à dignidade e à cidadania. A justiça que tarda, nesse caso, é a negação de um direito fundamental.
Marcus Ferreira Araújo – Advogado











