
Hoje, dia 02 de novembro – Dia dos Finados. Essa data foi instituída especificamente pelo abade de Cluny, Odilone de Mercoeur, no período da Idade Média, em 998 DC para que seus liderados rezassem pelos mortos neste dia. A data se popularizou a partir do século XII e, atualmente, constitui-se um feriado nacional.
E o que é o Luto? No dicionário, luto significa o sentimento de tristeza profunda pela morte de alguém. E, de acordo com a neurocientista especialista em luto e psicologia cognitiva, Mary-Frances O’Connor, “o luto é o preço que pagamos por amar alguém”.
As perdas fazem parte da vida e o luto é uma experiência psicológica natural, inevitável e dolorosa para as pessoas. A dor do luto varia de acordo com cultura, crenças religiosas, histórico familiar e personalidade, portanto, o tempo de duração do luto varia muito de pessoa para pessoa, sendo preciso avaliar se é ou não um luto saudável.
O luto é uma resposta emocional profunda a uma perda significativa, que não se limita apenas ao falecimento de alguém, mas também pode ocorrer após rupturas, como o término de um relacionamento ou a perda de um emprego. Essa experiência pode manifestar sintomas físicos e pode se resolver de forma espontânea ou não. Em casos mais prolongados ou vinculados a muito sofrimento, é preciso recorrer a ajuda de profissionais da saúde mental.
É essencial que os profissionais de saúde analisem atentamente os sintomas, a duração e o impacto na vida cotidiana, para estabelecer o diagnóstico, levando em consideração também os diagnósticos diferenciais, como depressão maior, transtorno de estresse pós-traumático, transtornos de ansiedade e transtorno adaptativo, entre outros.
De forma técnica, o transtorno de luto prolongado foi recentemente adicionado à 11ª edição da Classificação Internacional de Doenças, e ao Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5. De acordo com o DSM-5, o luto prolongado se estabelece a partir de 5 critérios:
1 – Critérios de evento e tempo: O luto prolongado é definido por um processo de luto com duração de, no mínimo, 1 ano (ou 6 meses em caso de crianças ou adolescentes).
2 – Angústia de separação: Desde a morte, o desenvolvimento de uma resposta persistente ao luto caracterizada por um ou ambos os seguintes sintomas, que estiveram presentes na maioria dos dias em um grau clinicamente significativo. Além disso, o(s) sintoma(s) ocorreu(m) quase todos os dias pelo menos no último mês:
2.1 Intenso anseio/saudade da pessoa falecida.
2.2 Preocupação com pensamentos ou memórias da pessoa falecida (em crianças e adolescentes, a preocupação pode se concentrar nas circunstâncias da morte)
3 – Sintomas cognitivos, emocionais e comportamentais: Desde a morte, pelo menos três dos seguintes sintomas estiveram presentes na maioria dos dias em um grau clinicamente significativo. Além disso, os sintomas ocorreram quase todos os dias pelo menos no último mês:
3.1 Ruptura de identidade (por exemplo, sensação de que uma parte de si mesmo morreu) desde a morte
3.2 Acentuado sentimento de descrença sobre a morte
3.3 Evitar lembretes de que a pessoa está morta (em crianças e adolescentes, pode ser caracterizado por esforços para evitar lembretes)
3.4 Dor emocional intensa (por exemplo, raiva, amargura, tristeza) relacionada à morte
3.5 Dificuldade de reintegração em seus relacionamentos e atividades após a morte (por exemplo, problemas de envolvimento com amigos, busca de interesses ou planejamento para o futuro)
3.6 Dormência emocional (ausência ou redução acentuada da experiência emocional) como resultado da morte
3.7 Sentir que a vida não tem sentido em decorrência da morte
3.8 Solidão intensa como resultado da morte
4 – Critério de comprometimento funcional: O distúrbio causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento.
5 – Critério cultural: A duração e a gravidade da reação de luto excedem claramente as normas sociais, culturais ou religiosas esperadas para a cultura e o contexto do indivíduo.
“O cérebro de Luto” é um livro escrito por Mary-Frances o’Connor, que explica o que ocorre no cérebro neste momento: ligações neurais que estabeleceram vínculo afetivo com a pessoa falecida continuam ativados, ao mesmo tempo que são criadas ligações neurais que registram as memorias da morte. Essa dualidade provoca tristeza, raiva, culpa, remorso e saudade. Isso significa que o luto é um processo de oscilação entre focar na perda (dor) e seguir em frente (aceitação), o que gera uma sensação de descontrole para a pessoa que está vivendo essa experiência, porém é a partir disso que a pessoa constrói um novo caminho. Por isso, diante da perda, o arcabouço neuronal precisa ser reorganizado e isso demanda algum tempo, sendo preciso se permitir viver o luto para se adaptar à nova realidade.
Como mencionado anteriormente, o luto saudável é uma reação natural. No entanto, é importante buscar ajuda quando esse sentimento passa a prejudicar a vida da pessoa a ponto de interferir nas atividades diárias, independentemente de quanto tempo tenha passado. Portanto, permita-se sentir, procure apoio, cuide de si mesmo, crie uma rotina, homenageie a memória do seu ente querido, tenha paciência e, se precisar, considere a ajuda de um profissional.
Quando alguém especial morre, não apenas perdemos sua presença física, mas também seu espaço em nossas vidas, além dos sonhos e expectativas que já havíamos construído. Nosso mundo se transforma. No entanto, passar pelo luto não implica esquecer a pessoa amada ou os planos que tivemos, e sim trata-se de se ajustar a essa nova realidade, levando consigo as memórias e lições que mantêm essa pessoa viva em nossas vidas para sempre. Em última análise, o luto pode ser uma oportunidade para redescobrir conexões e reavaliar nossas prioridades.
*Médica com ênfase em Psiquiatria geral e Psiquiatria da infância e adolescência






