Por Ludmilson Abritta Mendes e Roberto Maximiano Pereira
Per ipsum, et cum ipso, et in ipso, est tibi Deo Patri omnipotenti, in unitate Spiritus Sancti, omnis honor et gloria per omnia sæcula sæculorum.
Quantos mistérios e singularidades guarda uma igreja? Erguida em substituição à antiga matriz de São Sebastião, a atual Catedral ficou pronta em 1965, mas sua obra teve início em 12 de março de 1928 com a bênção da pedra fundamental. Um novo templo se erguia, uma nova história se iniciava. Trazida à vista da sociedade leopoldinense pelo projeto de Luiz Dantas Castilho, da Escola de Belas Artes, e executada pelo engenheiro Ormeo Junqueira Botelho. Uma obra de tamanho esplendor e arte calculados e executados cuidadosamente ao longo de 37 anos, e que não deixou de lado nem a geometria sagrada, nem o alinhamento astronômico. Em um texto posterior abordaremos o primeiro ponto, neste trataremos do segundo.
A torre é o elemento do edifício que sobressai, contudo ela não compõe apenas a arquitetura; seu alinhamento com a trajetória solar é de um capricho notável. Ao longo de quase todo o ano, três das quatro faces da torre – a norte, voltada para a rua Lucas Augusto; a leste, voltada para o Palácio Episcopal, e a oeste, para a rua Osvaldo Vieira – recebem incidência direta da luz do sol desde a aurora até o ocaso. Por isso, quando observarmos a torre durante o dia, muito provavelmente veremos sua sombra projetada sobre o telhado da nave central.
À medida em que nos aproximamos do fim do ano, a projeção da sombra torna-se menor. A face sul da torre, voltada para o domo, que entre o começo do outono (21 de março) e da primavera (22 de setembro) não recebe incidência solar direta em hora alguma do dia, começa a receber luz direta, mas por poucas horas, apenas as primeiras da manhã.

No fim do mês de novembro, mais tardar no início de dezembro, não ocorre incidência direta da luz sobre a face norte em hora alguma do dia, ao contrário da face sul, que é iluminada diretamente da manhã ao fim da tarde. A inclinação do sol continua diminuindo, até que, no solstício de verão (21 de dezembro), por volta das 11h45 (12h45, se há horário de verão), a projeção vertical do Sol ocorre exatamente
sobre o centro da torre, situado no eixo principal da Catedral. É o momento da máxima elevação do Sol sobre torre. No início da segunda semana de janeiro, nas primeiras horas da tarde, a incidência direta do Sol deixa a face sul e retorna para a face norte. Tudo isso se dá por conta da mudança, ao longo do ano, da inclinação do Hemisfério Sul da Terra em relação ao Sol.
O leitor, então, pode estar se perguntando o que de espetacular há nisso? Nada, até trazermos para nossa análise um pouco da simbologia católica, do calendário litúrgico da Igreja e, também, o outro elemento arquitetônico de destaque da Catedral, o domo.
Vamos à simbologia. O papa Bento XVI, em seu livro “Introdução ao espírito da liturgia”, nos relembra como, desde o início do cristianismo, a Igreja associou o Sol, astro-rei, principal fonte de luz do planeta, a Jesus Cristo, Rei do Universo, a quem Zacarias, pai de João Batista, se referiu como sol nascente (Lc 1, 78) e o profeta Simeão chamou de luz para iluminar as nações (Lc 2, 32). Assim, os primeiros cristãos tinham o costume de rezar ad orientem, ou seja, voltados para o leste, na direção do nascer do Sol. Daí que, em muitas igrejas europeias bastante antigas, os altares se localizarem na extremidade leste do templo. E, para os sacerdotes celebrarem a Missa ad orientem, ou seja, voltados para Deus (versus Deum) junto com a assembleia, acabaram ficando “de costas para o povo”.
A época do ano em que a face sul da torre da Catedral recebe luz direta em todas as horas do dia coincide com o Ciclo do Natal: se estende da primeira semana do tempo do Advento à última semana do tempo do Natal. Durante o Advento, tempo que nos prepara para a comemoração do Natal do Senhor, os católicos meditam sobre a primeira vinda de Cristo, que, por ação do Espírito Santo, se encarnou no seio de Maria. O Verbo de Deus, luz verdadeira, se fez carne e habitou entre nós, veio para o que era Seu (Jo 1, 9.11.14). Também se medita, no Advento, sobre a segunda vinda de Cristo, quando Ele se manifestará como a brilhante estrela da manhã (Ap 22, 16), para morar junto dos homens (Ap 21, 3).
Na Catedral, a face sul da torre é voltada “para dentro”, ou seja, para a nave central e o domo. Este se localiza sobre o altar do Santo Sacrifício, em frente ao qual se reúne a assembleia de fiéis. Eis o tempo em que o Sol, da aurora ao crepúsculo, projeta-se na face voltada para o povo de Deus reunido, ou seja, do altar para a torre. O Sol Nascente vem para o que é Seu! O Tempo do Natal, que se inicia na noite de 24 de dezembro, se estende até solenidade do Batismo do Senhor. Começa então o Tempo Comum, quando meditamos sobre a vida pública de Jesus. A partir desse dia, no período da tarde, o Sol deixa de incidir sobre a face sul da torre e volta a se projetar sobre a face norte, a face voltada “para fora” da Igreja. A Luz da Luz passa a se manifestar a todos. A arquitetura, servindo-se do movimento dos astros, comunica a liturgia.
Será que esse belo espetáculo fora previsto por Luiz Dantas Castilho e Ormeo Junqueira Botelho? Inefável mistério. Mas sua arte e sua técnica nos legaram esse presente encantador. Em sua arquitetura, nossa Catedral dá aos leopoldinenses e aos visitantes de nossa terra um singular testemunho da chegada do Deus-Conosco. Durante todo o Ciclo do Natal, esta igreja continua a acolher São Sebastião, a quem é consagrada, e se torna, magistralmente, a Igreja da Natividade.








