Morador da Comunidade Vargem Linda, jovem de 16 anos escreve texto emocionado sobre o fim de um lugar marcado por trabalho, cultura e convivência.
Um texto forte, sensível e carregado de memória tem circulado na região da Laginha, também conhecida como Comunidade Vargem Linda, em Leopoldina. Escrito por um adolescente de 16 anos, morador da área pertencente à EPAMIG (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), o relato enviado à Jornalista e Professora Márcia Vaz traz à tona a história de um local marcado por gerações de trabalhadores, convivência comunitária e identidade rural.
O texto foi escrito após a confirmação de que, por determinação do Governo de Minas Gerais, sete famílias terão que deixar os imóveis onde residem, em cumprimento a uma ordem de despejo comunicada no dia 10 de novembro. A decisão marca, segundo o autor, o fim definitivo de um ciclo histórico vivido por dezenas de famílias ao longo de mais de seis décadas.
Como forma de preservar essa memória e dar voz a quem viveu essa realidade, O Vigilante Online publica abaixo, na íntegra, o texto enviado pelo adolescente, sem alterações em seu conteúdo original.
Eterna Laginha
Meu nome é Vítor Martins Oliveira. Tenho 16 anos, perto dos meus 17, e vim contar a história de um lugar onde famílias trabalharam e morreram, onde se plantava e colhia, e se comia. Vim contar a história da eterna Laginha, minha roça, onde fiquei a maior parte da vida.
Senti a necessidade de escrever isso, pois no dia 10 de novembro, aconteceu uma ordem de despejo, onde 7 famílias terão que ir embora daqui. Assim, a Laginha acaba.
Mas o que é Laginha? Laginha é o apelido da Comunidade Vargem Linda, que é da EPAMIG, Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, localizada em Leopoldina. O primeiro gerente da fazenda foi João Damasceno Portugal.
Mas por que Laginha? Bem, pelo que eu pesquisei, existe um local onde o córrego da região passa e, nesse local, existe uma chapada de pedra, criando um local perfeito para banhos em dias quentes, sendo popularmente conhecida pelos antigos moradores como Lage ou Laginha. O local se popularizou e várias pessoas começaram a chamar a região da Vargem Linda como Laginha, dando origem ao nome, ficando gravado na história do local.


Assim, a origem do nome sendo já dita, vamos agora a alguns detalhes mais. João Damasceno Portugal foi também o criador do campo de futebol da Fazenda, hoje Estádio João Damasceno Portugal, campo esse que era o melhor da região, único com tamanho profissional na época. Lá também foi o local onde foi fundada a União Esporte Clube, um time feito por trabalhadores que gostavam de jogar bola. Foram campeões em vários campeonatos locais, ganhando vários troféus.
O campo criado por ele era cuidado por todos da comunidade Laginha. Infelizmente, nos dias de hoje, o campo se encontra nas últimas, sua estrutura está totalmente danificada.
Junto ao campo, foi criado um bar e um salão de baile, onde as pessoas, após os jogos, iam se divertir nos bailes, que eram uns dos melhores, se não o melhor, da região na época. Forró reinava, mas tinha espaço pra todos os tipos de músicas. Além de, depois dos jogos, todos os finais de semana, o baile abria e enchia de gente. O tal bar ficou conhecido como Sapesão. Por que desse nome? Primeiramente feito de bambu, depois sapé, onde o nome Sapesão pegou.
Pessoas humildes, da roça, não do campo, da roça mesmo, que iam se divertir como forma de distrair a vida dura.
Em 2025, a estrutura já muito velha do Sapesão rompeu e ele caiu. Dentro dele, havia os troféus conquistados por muitos anos, onde a maior parte foi destruída, sendo jogada fora igual lixo, acabando com um legado de anos, de um local que agora só poderia ser lembrado pela memória de poucos que ainda puderam ver ele de pé.
Tinham mais de 15 casas ao redor da fazenda, onde a maioria foi negligenciada, e como não houve reforma hoje a maior parte delas nem existe mais.
Morei aqui, em um sítio ao lado, sítio chamado Indaiá, onde vivi dos meus 4 anos até meus 16 anos agora, junto com minha família por parte de pai, pelo menos algumas pessoas, minha vó, alguns dos meus tios, alguns primos.
Quando eu nasci, a era de ouro da Laginha já estava no seu final. Não tinham mais a mesma quantidade de pessoas, não tinham mais bailes, as pessoas não vinham mais jogar bola com tanta frequência, vários moradores se aposentaram ou morreram aqui, como meu vô, falecido Gílson Félix de Oliveira, onde morreu devido a uma doença, deixando minha vó sozinha.
Mas as coisas ainda eram boas, tinham muitas pessoas, bastante parentes. Estudava na Escola Estadual Vargem Linda, onde fiquei do 2º período do fundamental até o 5º ano, onde já era visível como caminhava até o seu fim.
Mas, antes disso, essa escola não tinha nem muro. Ela tinha um muro sim, mas era de bambu, feito por pessoas da comunidade, onde meus primos viveram essa época e confirmam isso.
Estudavam eu e mais 6 alunos, depois 4, depois 3, depois 2 e, por final, 3 de novo. Claro, existiam duas salas, mas como eu era muito pequeno, eu não lembro muito bem da quantidade de gente.
Bem, de qualquer forma, pós-pandemia, em meados de 2021, a escola foi interditada por falta de alunos, pondo um fim em uma escola que foi criada com muito suor.
Um pouco da vida naquela época, contada por meio das minhas pesquisas:
Nós plantávamos, e a fazenda deixava uma parte com nós e outra eles pegavam. Plantávamos de tudo: café, arroz, feijão, milho, abóbora, todos os tipos de frutas. Era uma fartura. As estradas eram boas, limpas, sempre tinha alguém andando no meio delas à noite. Tinham muitas pessoas morando ao redor.
Os tempos passaram, mudando tudo.
Uma parte que eu particularmente não sei bem: o aeroporto de Leopoldina e o IEF, que também era um local onde fabricavam mudas.
Foram fundados algum tempo depois. Um aeroporto, onde cantores e políticos pousavam, além, e junto ao aeroporto, um viveiro de mudas, onde agora está cheio de mato.
Bem, infelizmente, mais de 60 anos de história foi esquecido e, infelizmente, não há nada que possa fazer, somente tentar criar uma memória escrita, pois só assim as futuras gerações, meus filhos, ou quem mais se interessar por lugares fantasmas e histórias de lugares, puder lembrar que, algum dia, na comunidade Vargem Linda existiu a eterna Laginha.
A reportagem do Jornal O Vigilante Online entrou em contato com a Epamig em busca de esclarecimentos e posicionamento sobre o assunto. Confira abaixo a Nota na íntegra:
“A Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) esclarece que notificou oficialmente os ocupantes das casas funcionais, situadas em todos os seus Campos Experimentais, sobre a necessidade de desocupação dos imóveis. A decisão é resultado de laudos técnicos de engenharia que atestam condições de insegurança estrutural, determinando a interdição das edificações. A ação em Leopoldina integra um esforço amplo, que atinge todas as unidades da Empresa, alinhado a um programa de vistorias técnicas e regularização. O objetivo é garantir a integridade do patrimônio público e, acima de tudo, a segurança de pessoas. Os laudos de engenharia identificaram problemas estruturais e de reparo economicamente inviável. As residências foram consideradas inaptas para moradia, apresentando riscos à integridade física de seus ocupantes. Diante do cenário, a desocupação mostra-se medida necessária e urgente. Cabe ainda esclarecer que muitos dos ocupantes notificados, em Leopoldina e outras regionais da EPAMIG, nao possuem mais vínculos empregatícios com a Empresa, e que as edificações se destinam única e exclusivamente a empregados ativos que desempenhem atividades de interesse da EPAMIG – desde que as construções tenham plenas condições de habitação. De forma a minimizar os impactos para as famílias envolvidas, a EPAMIG realizou reunião no dia 1º/12/2025 com os moradores, com o intuito de encontrar uma solução que conceda um prazo adequado para que a desocupação ocorra da forma mais tranquila e organizada possível, de forma amigável e em consenso. A EPAMIG reafirma seu compromisso com a gestão responsável do patrimônio público e com o bem-estar de pessoas. Todas as ações estão se dando de forma pacífica e baseadas em condutas legais necessárias, cumprindo com o rigor e diligência que a circunstância exige.”

















